Em sua coluna publicada no Jornal Portal Ilhéus, o professor e historiador André Rosa nos leva por mais uma viagem explorando os caminhos sulbaianos
Hoje quero falar sobre minha cidade adotiva: Igrapiuna. Minha porque quem não nasce, sucede. E amanhece o sentimento em cada bom dia dado em ruas novas: Beira-Rio, Travessa da Matriz, da Sociedade. Entre Camamu e Ituberá, quase quinze minutos a cada lado, situam-se quinze mil almas cercadas da presença de uma mata que resiste. Algumas tantas moram em torno da Matriz, Nossa Senhoras das Dores chamada. Emoldurada no alto de uma pequena colina que domina o que se vê. Logo abaixo serpenteia o rio como uma língua marron, lambendo as margens onde meus olhos se acostumam de beleza.
![Colunista│NOITES IGRAPIÚNICAS: OU COMO MUDAR SEM PERECER [por André Rosa] igrpiuna andre rosa portal ilheus bahia](https://www.portalilheus.com.br/wp-content/uploads/2021/11/igrpiuna-andre-rosa-portal-ilheus-bahia.jpg)
Ir sempre envolve mudar. Quanto de mim mudaria em uma outra vertigem de cidade? Quanto caberia não acordar na rua Bento Berilo, da Linha chamada? Há cinquenta e tantos anos morada e abrigo? Decidir o que vestir, com quem falar, o que comer são formas de nudez, nos mostramos em nossas precárias decisões cotidianas. Mas, e as decisões que realmente importam, como nos alteram? Os olhos que serão espelhos, os amigos que rirão das nossas notícias estrangeiras, como lidar com tudo que é alheio e perecível, qual endereço possível onde estacionar nossas emoções e medos.
Ir sempre contrasta com voltar. Velhos amores, nunca vão para sempre, eles estão tatuados nas unhas do bem-querer. Ilhéus é assim, vertigem, cicatriz aberta às margens do Atlântico. Um velho amor que precede, é ontem com ares de amanhã. É como um quadro que captura a magia do pincel, cicatrizes na tela em branco. Mas, novas telas se postam nas esquinas: Igrapiúna é uma delas. Viver sob um novo esquadro, régua e compasso que a Bahia ainda não me deu. Tantas Bahias possíveis em novos traços que o asfalto conduz. De quantas baianidades possíveis são forjadas nas identidades em movimento? Quantas questões como ondas que estouram nas pedras do cais da vida. Ir conduz a volta, estrada das mãos tateando o destino que nos envolve sorrateiro como rato em busca do queijo-metáfora, o cheiro-desejo na ratoeira do impossível.
As noites de Igrapiuna se assemelham: únicas. E assim percebo os estágios que cruzam hemisférios e paralelos. A lua mesma em quatro formatos sobre o rio mesmo em marés cismadas. Não há peixes no rio, antes sim. Em um tempo sem esgotos dos novos bairros. Falam os mais velhos das grandes pescarias, da diversão do banho. Contraste ainda possível reina a Pancada Grande nos limites municipais, recentemente reaberta às gentes. A empresa, dona das águas, gentilmente decidiu devolver possibilidades, o que é nosso por leis ancestrais pré-mercantilistas. Amém, senhores de tudo. Com seus sobrenomes germânicos, anglo-saxões e paquistaneses. Fico aqui com os Rodrigues, Caldeira, Charmitt, nomes gravados nas pedras monumentais da memória.
Ir demanda a volta na BA 001. Mas, no meio do caminho há uma ferrovia, no meio do caminho há uma ferrovia, no meio do caminho há uma ferrovia….