Em mais uma de suas colunas, o Professor e Historiador André Rosa traz resgata nomes e histórias da literatura sulbaiana
[por André Rosa]A ficção ambientada na região produtora de cacau do Nordeste brasileiro é um importante índice para a compreensão do processo de elaboração de identidade para o Sul da Bahia, forjado nas primeiras décadas do século passado. Expressa o esforço dos literatos na construção de uma unidade cultural para a região grapiúna, a “civilização do cacau”.
As representações presentes na literatura dos principais autores que exploraram o tema do cacau (Amado, Adonias, Medauar, entre outros), não são meros reflexos do acontecido, ou por outro lado, estão simplesmente em oposição ao mesmo, contrapondo o imaginário às práticas sociais. A narrativa desses autores captou aspectos do vivido e, apesar de não ter compromisso com o que de fato teria ocorrido, não prescindiu deste. As obras ambientadas na fase de conquista das matas do sul da Bahia tornaram-se parte constitutiva da memória grapiúna, cujos conteúdos compõem-se de textos e imagens – olhares compartilhados sobre o “que foi” – que pautam as vivências nas relações sociais.
Entendo que a “grapiunidade” surge enquanto conceito alinhado aos discurso literários, em que características da sociedade regional são encontradas em várias das personagens mais conhecidas, desde Sinhô Badaró, que encarna a figura do fazendeiro de cacau chefe político e líder de jagunços, à Gabriela representante do elemento popular socialmente marginalizado e cujo comportamento revela-se como contraponto à mentalidade burguesa. Ou mesmo Cajango, cujos desejos e anseios são destruídos pela realidade violenta das terras adubadas de sangue.
O próprio Amado foi alçado à condição de intérprete da sociedade sobre a qual escreveu, praticamente inventando o “baiano” e por ele sendo inventado. Isso ocorre, ao menos em parte, pela postura memorialista assumida por Amado, pelo papel fundamental das suas lembranças na concepção dos seus livros. Em sua s próprias palavras, “somente escrevo sobre o que vivi e aquilo que conheço”. A ampla circulação das obras jorgeamadianas proporcionou às mesmas tornarem-se referência à área produtora de cacau ou à capital baiana.
Essas obras, mais do que retratar ficcionalmente um passado histórico, forneceram a base discursiva para a construção de representações que configuram uma pretensa unidade cultural da região cacaueira, uma civilização específica, situada na mata atlântica da Bahia, onde se amalgamaram-se africanos, povos originários, europeus, nordestinos e árabes, em constante tensão forjada nas lutas pela ocupação das terras do sem fim.