Colunista do Portal Ilhéus, o professor André Rosa conta um pouco da história e importância de dois grandes escritores sulbaianos, Adonias Filho e Jorge Amado
Em vários dos seus textos, o escritor Jorge Amado reivindica sua condição essencial de memorialista: “Eu vinha de uma infância nas terras bravias do cacau, assistira o drama da conquista da selva, ouvira a voz dos advogados nos júris dos coronéis […] trazia dentro de mim os ecos de uma grande epopeia” (DISCURSOS, 1993). Nas lembranças da infância estão delineados os temas da sociedade regional e um certo orgulho das origens sociais da família Amado. O pai (João Amado) é o herói que avança sobre a mata, vítima de tocaias, o corpo varado por balas enquanto protege o filho entre os braços. A mãe, qual a personagem Don’Ana Badaró de Terras do Sem Fim, era um exemplo da mulher de fibra, destemida e valente, uma verdadeira grapiúna, a dormir com a repetição sob o travesseiro.
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Com a transferência da família para Ilhéus, Amado entrou em contato mais direto com a realidade dos tipos urbanos oprimidos: estivadores, pescadores, operários, profissionais do sexo nas “ruas de canto”, malandros das docas, lavadeiras, cozinheiras, empregados do comércio, que darão um novo colorido ao seu imaginário. Pessoas reais e personagens fictícias mesclam-se na composição jorgeamadiana da civilização cacaueira. A experiência familiar dava conta de todo um processo civilizatório, legado comum a todos os atores que formaram a grapuinidade.
Em seu discurso de recepção a Adonias Filho na Academia Brasileira de Letras, Amado retoma a questão da legitimidade histórica das obras por eles ambientadas na região, onde nasceram e viveram boa parte da infância e mocidade. Amado o saúda não somente como escritor como escritor reconhecido pelos seus dotes literários, mas principalmente como amigos de infância, cujos livros eram uma fonte importante para conhecer-se o sul baiano profundo.
A fala de Amado ressalta as personagens adonianas unidas pelas teias de um destino sempre trágico, cujas vidas eram marcadas pelo ódio e pela vingança. Em Os Servos da Morte e Corpo Vivo, os protagonistas são de comprovada rudeza e suas “raízes esconsas estão naqueles coronéis conquistadores, naqueles trabalhadores que, ao lado da pá e da enxada, levavam o clavinote, o punhal, o parabélum”. São obras que traduziram metaforicamente o tempo, o chão e o homem do cacau. Também para Adonias há uma acentuada imbricação entre a literatura e a formação histórica. A força da literatura estaria justamente no fato de se reportar ao contato direto dos autores citados comm a realidade por eles vivida e posteriormente transformada em ficção.
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A narração dos fatos deixa de simplesmente uma elaboração ficcional e, baseada em um contexto histórico, se transforma na memória mesma do “que foi”. Seguindo a trilha de Amado, Adonias não apenas narra um passado ficcional, mas o interpreta realisticamente. As suas personagens seriam ícones de uma região econômica e cultural, símbolos identitários criados a partir de sua própria experiência e das suas visões de mundo enquanto fundadores da civilização do cacau.