“Meu avô, acompanhou tudo de sua venda, servindo os cachaceiros de plantão, ouvindo e contando muita história e, as vezes inventando políticos.”
O mundo gira, e quanto mais ele gira, mais eu volto ao mesmo lugar. Sou de Ibicaraí e, ainda que eu viaje, viva em outros lugares e culturas, sempre encontro um jeito de voltar. Essas últimas eleições me fizeram recordar um período emblemático para a minha formação.
O ano era 1982, quando o Prefeito de Ibicaraí era Abdias, ou Didi, como era conhecido por todos. Havia substituído Henrique Oliveira, em 1977, e foi substituído pelo mesmo Henrique em 31 de janeiro de 1983. Bom, mas não é exatamente sobre essa cronologia que quero tratar, pois isso já faz muito bem o professor Murilo Benevides em seu site sobre a história de Ibicaraí. A história que trago aqui é sobre como se inventa um político.
A venda de meu avô, Toinzinho, era ponto de encontro dos moradores do Canicho e Bairro Vermelho, mas transitavam também por ali moradores de bairros mais distantes e de outras cidades, como Floresta Azul. Na venda, bebia-se a cachaça e enganava-se o estômago com um tira-gosto, e a prosa rolava solta. Foi do lado de dentro daquele balcão que vi e ouvi muita história, enquanto aprendia a ler, escrever e fazer cálculos.
Seu Zequito chegou cedo, naquele ensolarado dia de sábado. Pediu uma cachaça, puxou um banco, sentou e falou, com certa tristeza.
– Toinzinho, esse mundo não tem mais jeito. Não sei aonde vamos parar. Sabia que Nedina vai ser candidata a vereadora? – bebeu a cachaça num só trago.
– Sabia. – disse meu avô. – Eu mesmo incentivei ela a se canidatar. Nedina é entusiasmada demais com política. Vive na Câmara, assistindo as sessões. Fala mal de tudo quanto é político, igualzinho a você.
– Epa! Falo mal não. Eu revelo as verdades. Tanta falcatrua, tanto dinheiro roubado. – ergueu o copo.
– Mas, Nedina é gente da gente. Você acredita que ela também vai fazer falcatrua, roubar?
– Quando ela entrar, se ela entrar, vai ser engolida pela sujeira. – esticou o copo, quase irritado. – Pra ser político nesse país, não tem jeito, tem que fazer parte dos conchavos.
– Eu não acredito nisso, amigo Zequito. Eu ainda tenho fé nas pessoas. Eu ainda acredito no povo trabalhador. – vaticinou, Toinzinho, enquanto servia outra dose.
– Você é sonhador, Toinzinho. Tá falando igual aos comunistas. Pra ser político tem que juntar dinheiro e ter amigo rico.
– Sabe de uma Zequito? – o velho esperou o amigo terminar o gole e seguiu. – Acho que você devia ser canidato.
– Deus me livre! Pra ser chamado de ladrão? – falou, quase num engasgo.
– Tá vendo? A politica precisa de gente honesta, séria. Com vontade de ajudar o povo trabalhador. Você não acha que os políticos estão fazendo a coisa errada? Então? Tome coragem e vá lá fazer a coisa certa. – falou e nem esperou a reação do amigo.
Seu Zequito ficou pensativo. Bebeu quase meia garrafa de cachaça sem dizer nada. Entrou gente, saiu gente e ele lá, matutando as palavras de meu avô. Já era quase meio-dia, quando meteu a mão no bolso, retirou umas duas notas, pôs debaixo do copo e saiu sem dizer palavra.
No dia seguinte, tinha comício no Canicho e, para surpresa de meu avô, Zequito estava lá, no palanque. Mas ele não se candidatou, estava ao lado de Nedina, fez discurso em favor dela, criticou a oposição, chorou e cuspiu muito, porque discurso de político é uma fábrica de perdigoto. Nedina, muito contente, também discursou.
– Quero saudar minhas amigas marisqueiras, que criaram suas famílias nas beiradas do rio Salgado. Quero dizer que estou feliz com o apoio de seu Zequito, homem sério, estudado…
E foi assim que Nedina foi eleita com apoio de Zequito, que se tornou seu assessor parlamentar durante os quatro anos seguintes. Nedina se tornou exemplo de luta por direitos. Sem muito estudo, mas muita cultura, aproveitou bem o apoio de Zequito para incentivar a criação de cooperativas das marisqueiras e lavadeiras, no Canicho.
Nedina se reelegeu por mais dois mandatos, sempre com apoio maciço das mulheres. Seu Zequito chegou a secretário de finanças da Prefeitura. Meu avô, acompanhou tudo de sua venda, servindo os cachaceiros de plantão, ouvindo e contando muita história e, as vezes inventando políticos.