Haísa Lima é pesquisadora, professora e comunicadora, e em artigo explicativo, contou “sua saga” para conseguir a máscara PFF2 em Ilhéus, recomendada pela Anvisa que tem eficácia de 90 a 95%
por Haísa Lima
A pandemia da Covid-19 completou 1 ano, e esse “aniversário” trouxe consigo novas variantes ainda mais perigosas, levando as autoridades sanitárias a reforçarem a importância das máscaras PFF2, que têm eficácia de 90 a 95% de filtragem de agentes biológicos contra cerca de 40% das máscaras de tecido comum que se popularizaram desde o início da pandemia.[1][2] Mês passado eu saí em busca de uma máscara PFF2 de preço acessível em Ilhéus (uma vez que alguns modelos, como os famosos 3M Aura 9360h resistentes a fluidos, chegam a ser vendidos por quase 100 reais a unidade[3]), e foi numa loja de material hospitalar do Centro da cidade que encontrei a PFF2 mais barata. A vendedora me entregou um pacote da marca “Fieza Group” (uma empresa de Salvador que não tem um site sequer), e achei muito estranha, pois a embalagem parecia muito grosseira. A vendedora se ofendeu com minha desconfiança e disse que era melhor eu garantir logo a minha, pois “diversas empresas já haviam encomendado centenas de unidades, e o estoque esgotaria em breve”. Resolvi arriscar e paguei o valor de 10 reais, torcendo pelo melhor.
Somente quando cheguei em casa e abri a embalagem que constatei que se tratava de uma máscara chinesa, padrão “KN95” – o qual foi amplamente reprovado pela Anvisa por não atender aos padrões exigidos para a classificação PFF2 do Brasil[4][5]. Ano passado a Anvisa publicou uma lista de máscaras reprovadas[6], todas chinesas, quase todas de padrão KN95. Resolvi então tirar a prova e caçar uma máscara “aprovada”, e com ajuda do grupo “Qual Máscara?”, que se dedica à divulgação de informações que ajudem as pessoas a adquirem máscaras PFF2 legítimas, bem como a usarem e desinfectarem tais máscaras corretamente[7], procurei marcas que fossem Registradas na Anvisa e aprovadas pelo Inmetro. Foi na loja GMED, localizada na Rua Sete de Setembro, que encontrei uma máscara da marca KSN, modelo 10.02 MH[8], a 12 reais – apenas 2 reais a mais que a Fieza. Chegando em casa e notando a grande diferença entre ambos os produtos, resolvi realizar uma pesquisa para entender quais as características de uma máscara PFF2 e assim ajudar mais pessoas a identificarem quando esse equipamento atende corretamente aos padrões de segurança e legitimidade.
A primeira diferença que notei entre os dos produtos está na embalagem: a da “Fieza” é grosseira, em um plástico frágil e com um rótulo de papel impresso em jato de tinta, sem selo do Inmetro, com a inscrição “CE-FDA-ANVISA” (órgãos de regulação sanitária da União Europeia, Estados Unidos[9] e Brasil, respectivamente), mas sem qualquer numeração de registro, e com um selo fuleiro da Anvisa que qualquer um saberia montar no Word (sendo que nos EPIs aprovados não aparece o selo, e sim o número de registro). Já a embalagem da KSN, assim como outras da 3M que já comprei antes, é muito mais resistente, com impressão profissional diretamente no plástico, e contém o selo do INMETRO, o NÚMERO DE REGISTRO DA ANVISA (80425989001) e o REGISTRO CA (8357) – informações fundamentais para atestar a legitimidade de um produto de EPI, e que estavam ausentes no rótulo da Fieza; a única informação “numérica” presente era a inscrição “RDC 356 de 23/03/2020”, que é a resolução que flexibiliza a importação, fabricação e comercialização de máscaras PFF2 e similares para uso emergencial de suporte durante a pandemia [10]. Acontece que essa resolução é ANTERIOR à resolução da Anvisa que publicou a lista de máscaras PFF2/N95 REPROVADAS (RE 1.480 de 11/05/2020)[6], e que mesmo com a flexibilização, não são recomendadas para uso na prevenção ao Covid-19. Além disso, a data de fabricação da máscara da Fieza é de 15/04/2020, também anterior à resolução de reprovação, o que significa que quase 1 ano depois essas máscaras não deveriam mais estar sendo comercializadas como correspondentes ao padrão PFF2.
Outras diferenças nas embalagens de ambas ainda podem ser notadas, como as extensas informações de instruções de uso, composição e informações técnicas e institucionais na embalagem da KSN – tudo isso novamente ausente na embalagem da Fieza. Ao abrir a máscara, também notei que os elásticos da KN95/Fieza são para uso atrás da orelha (o que não é o recomendável, pois a vedação junto ao rosto é muito menos eficiente), enquanto o elástico da KSN é para ser usado atrás da cabeça, promovendo total vedação. Na máscara vendida pela Fieza só existe a inscrição “KN95”, mas não possui o nome do fabricante, lote ou qualquer outra informação; enquanto isso, a KSN, além da inscrição da marca e do modelo, possui número do lote, CA e selo do Inmetro. Também notei que a gramatura das máscaras é muito diferente, sendo a KN95/Fieza muito mais fina e transparente, além de ser mais leve, pesando 5 gramas, contra 8 gramas da KSN. E no teste de uso, a KN95/Fieza não vedou de forma eficiente, além de ser minúscula (meu rosto já é pequeno) e deformou minhas orelhas de forma muito dolorida (imagine para uma pessoa de rosto e cabeça grande). Já a KSN vedou perfeitamente de forma confortável e tinha o tamanho adequado.
Por fim, fiz o teste que considero ser o mais importante, e que provavelmente foi um dos critérios que levou a Anvisa a reprovar as máscaras KN95: a eletrostática. Uma das características principais para uma máscara ser considerada padrão PFF2 é a camada eletrostática de seu tecido. Essa camada é responsável por impedir a passagem de agentes biológicos pelos poros da máscara, que “grudam” na parte externa do tecido, protegendo muito mais do que qualquer outro tipo de máscara comum[11]. Essa eletrostática pode ser facilmente constatada com um pequeno pedaço de papel, e foi o que eu fiz: peguei um pedacinho de papel higiênico e grudei na KN95, levantei a máscara, e o papel caiu imediatamente. Ao fazer o mesmo processo na KSN e levantar a máscara, o papel permaneceu “grudado” ao tecido, confirmando a presença da camada eletrostática. Esse teste foi registrado em vídeo, e pode ser assistido no link youtu.be/jgMoF7woHTI.[12]
Com toda essa investigação, não quero aqui prejudicar empresa ilheense que me vendeu a máscara da Fieza. Cabia à distribuidora ser honesta e não vender mais seu material enquanto um EPI de padrão PFF2/N95, uma vez que ele foi reprovado pelo órgão regulatório do nosso país. Isso não impediria a Fieza de continuar vendendo a máscara sob outra classificação que não enganasse os compradores (pois as máscaras comuns ainda são bem vindas em situações de menor exposição, sendo as PFF2 recomendadas para situações de alta/longa exposição); mas a inscrição “PFF2” e o selo da Avisa demonstram que o objetivo da empresa era despejar seu material no mercado e vendê-lo ao preço mais lucrativo, ainda que enganasse os revendedores e custasse a segurança de milhares de compradores. E essa conduta se torna ainda mais grave e desonesta diante da nova onda de variantes cada vez mais infecciosos e mortais da Covid-19.
Diante dessa lição, sejamos mais cuidadosos. Se você quer comprar uma máscara PFF2 dentro dos padrões exigidos pela Anvisa, eis aqui algumas marcas que o grupo “Qual Máscara?” listou como sendo confiáveis: 3M, Alliance, Alltec, Airsafety/Maskface, Barone, Biosafety, BLS, Camper, Carbografite, Delta Plus, Descarpack, Drager, Ecoar, Ekomascaras, Grazia, GVS, KSN, Ledan, Libus, Lubeka, MFQ, Moldex, Plastcor, Protecface, Tayco, Ville, Vonder – ou ainda outras que contenham o selo do Inmetro, CA e Registro da Anvisa (sempre SEM válvula!). E para reutilizá-las, lembre-se: jamais lave ou passe álcool nas máscaras PFF2, pois isso destrói sua camada eletrostática. Em vez disso, após o uso, retire a máscara sem tocar no tecido, apenas nos elásticos, e deixe-a pendurada em local arejado, seco, limpo e longe do sol por no mínimo 3 dias – e só então ela estará segura para ser reutilizada.[13][14] Enquanto isso, as máscaras comuns de tecido de algodão ou até mesmo as KN95 chinesas continuam sendo úteis para atender rapidamente à porta, ir à padaria ou levar o lixo pra fora. Mas se você precisa entrar em fila de banco, ir ao mercado, pegar ônibus ou trabalhar, prefira a PFF2 associada ao uso do álcool 70º. E claro, se puder, fique em casa.
REFERÊNCIAS:
[1] https://www.bbc.com/portuguese/geral-56023230[2] https://pfarma.com.br/coronavirus/5400-producao-mascaras.html[3] https://www.americanas.com.br/produto/2841595598[4] https://www.fazcomex.com.br/blog/importacao-de-mascaras-da-china/[5] https://www.instagram.com/p/CKjrah6nnXP/[6] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-re-n-1.480-de-11-de-maio-de-2020-256310859[7] https://www.instagram.com/qualmascara/[8] http://www.ksn.com.br/ModeloDobr%C3%A1vel/pff2dobravel.html[9] https://www.laboratoriocenic.com/index.php/registro-e-cadastro-de-dispositivos-medicos/marcacao-ce-fda-e-outras-agencias-regulatorias[10] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-356-de-23-de-marco-de-2020-249317437[11] https://veja.abril.com.br/blog/diario-da-vacina/nem-pense-em-uma-pff-3-a-pff-2-deve-ser-a-mascara-da-sua-vida/[12] https://youtu.be/jgMoF7woHTI[13] https://www.instagram.com/p/CMDd_VZHQ9U/ [14] https://www.instagram.com/p/CMQjiO0nwlL/