A burrice, que no dicionário da língua portuguesa é o antônimo de inteligência, foi tema de matéria da revista Super Interessante, num artigo de Eduardo Szklarz e Bruno Garattoni, em 24 de setembro de 2018. O título: A era da burrice. Dentre outras coisas, eles analisam estudos que apontam que a inteligência humana está em declínio. Vale a pena a leitura.
Nos últimos anos, no Brasil, parece que virou moda ser imbecil. As pessoas adotam posturas absolutamente idiotas, assumem discursos sem nenhum fundamento, e se orgulham disso. O que nos provoca uma sensação de que regredimos um século em 5 anos.
Foi em 2018, ano da publicação da matéria sobre a burrice, que a imbecilidade chegou ao poder, no Brasil. Mais do que parvo, o atual Presidente da República se apresenta como um ser cruel, desumano e muito, mas, muito burro. Impressiona a grande leva de pessoas que acompanham tamanha excrescência. E seguimos em queda livre, num abismo que não sabemos se tem fundo.
Mas, como dizia meu avô, precisamos aprender com tudo e com todos, para o bem ou para o mal. E foi num dia ensolarado, desses que só o verão da Bahia proporciona, que o velho Toinzinho me ensinou a ler os sinais da burrice.
Não passavam das dez da manhã quando Maria Véa chegou. Maria Véa é um dos doidos que frequentavam a venda de meu avô. Outro era Bistunta. Bistunta, não sei o paradeiro, mas Maria Véa está vivinho da silva. Não envelhece nunca. Outro dia me mandaram uma foto dele. A mesma cara dos meus tempos de menino.
– Nunca mais vou tomar banho! – sentenciou Maria Véa.
– Como assim? – perguntou meu avô, surpreso.
Foi aí que o homem explicou que, passando na feira, parou para beber um cafezinho e ouviu Maria Gorda falando com seu Zeca Celeiro, que deu na rádio que o banho “gasta a pele”.
– A pessoa pode ficar doente e morrer, se tomar banho, Toinzinho. – vaticinou.
Meu avô lhe explicou, à sua maneira, que tudo em excesso tem o seu lado ruim, mas não são dois ou três banhos diários que vão diminuir a pele.
– Ela disse que tem uma camada que protege das doenças. Quando a gente toma banho e esfrega com caco de telha, igual a mim, a proteção se acaba. – disse o quase cientista Maria Véa.
Eu entrei na conversa e tentei explicar que o contrário também acontece. Um corpo sem banho favorece os micróbios. Podemos ser infectados por microrganismos que levam a diarreia e outras doenças. Mas, Maria Véia estava seguro. Bebeu mais uma dose de pinga e saiu resmungando:
– Tomar banho eu vou tomar, mas não esfrego mais com caco de telha.
Quando ele dobrou a esquina, falei com meu avô:
– Maria Véa é muito burro, padinho.
– Não. – retrucou ele. – Burro ele não é. Se fosse burro não teria nos ouvido. Se fosse burro, ele já chegaria aqui não com uma notícia, mas com uma verdade. E ele, não. Trouxe a informação como uma possibilidade. O burro, se apega fácil. E dificilmente volta atrás de uma burrice dita ou feita. O burro não ouve. Normalmente, o burro só fala. E outra: o burro procura logo falar mal de quem pensa o contrário dele.
E eu, com meus oito, dez anos de idade, percebi, na sabedoria de meu avô, a sabedoria de Maria Véa, que no dia seguinte apareceu de banho tomado e muito bem perfumado.
– Maria Véa é doido, mas não é burro. Maria Véa tem cabeça. – gargalhou depois de um trago.
Aos acéfalos que ascenderam desde 2018, a matéria da Super Interessante termina com um aviso, muito próximo do pensamento de Maria Véa: “Tudo pode mudar; e, como a história ensina, muda. Inclusive porque a inteligência humana ainda não desapareceu.
Ela continua viva e pronta, exatamente no mesmo lugar: dentro das nossas cabeças.”
![A BURRICE E O BANHO DE MARIA VÉA [por Romualdo Lisboa] romualdo lisboa](https://www.portalilheus.com.br/wp-content/uploads/2021/04/romualdo-lisboa-1160x607.jpg)